No dia 15 de fevereiro de 2023 estreou na Netflix a série “As Leis de Lidia Poët”, série fictícia inspirada numa mulher real: Lidia Poët, a primeira mulher advogada da Itália. A história dessa personalidade histórica é bem interessante, pois além do seu pioneirismo em ser a primeira mulher a ingressar numa Ordem dos Advogados da Itália, ela atuou em várias frentes para adquirir direitos de diversos grupos marginalizados na época em que viveu: mulheres, menores de idade e prisioneiros. 

Nascida em 26 de agosto de 1855 em Perrero, província de Turim, na Itália, ela teve uma oportunidade que poucas mulheres tinham na época: ter uma educação formal. Sua família possuía boas condições financeiras, de maneira a poder investir na educação dos filhos. Lidia, particularmente, era uma aluna aplicada, com especial facilidade no estudo de idiomas. Ela dominava quatro idiomas: italiano, francês, alemão e inglês, além de ser autodidata em grego e latim. 

Após finalizar o equivalente de hoje do ensino médio, ela adquiriu um diploma de magistério. Ela poderia dessa maneira atuar como professora, única profissão que era permitida para as mulheres no século XIX na Itália. Porém, o interesse maior dela não era nesta profissão, e sim, no Direito. Por este motivo, ela se matricula na Faculdade de Direito da Universidade de Turim. Até esta data ainda não havia nenhuma mulher atuando como advogada na Itália, porém era permitido que mulheres estudassem cursos superiores com o intuito de adquirir conhecimento e, assim, se tornarem “mais atrativas” para um possível pretendente. 

Lidia se formou com 26 anos de idade após defender uma tese sobre o papel da mulher na sociedade e o direito ao voto, o qual também não era concedido às mulheres nesse período. Após sua formatura, ela realiza o exame para entrada na Ordem dos Advogados de Turim e, em 1883, ela recebe a aprovação para ingresso na Ordem, com oito votos a favor e quatro contra. Dessa maneira, ela se torna, aos 28 anos de idade, a primeira mulher advogada desse país europeu. 

Ingresso de Lidia Poët na Ordem dos Advogados de Turim

O ingresso de Lidia Poët na Ordem dos Advogados causou um rebuliço gigante na sociedade italiana da época, com movimentos a favor e contra essa inovação no meio jurídico. Infelizmente, a voz dos que foram contra acabou prevalecendo, e poucos meses após a sua entrada na ordem, o procurador-geral do Tribunal de Recurso de Turim solicita a anulação do seu registro. A justificativa principal foi justamente baseada no fato de Lidia Poët ser mulher, e a advocacia não ser considerada uma profissão adequada ao gênero feminino.  Dentre os motivos expostos, um dos principais foi a possibilidade do exercício dessa profissão atrapalhar a principal função da mulher na época: gerir a casa e educar os descendentes. Além disso, também foram colocados motivos estéticos, no sentido de que as “roupas bizarras” que as mulheres usavam não eram consideradas adequadas para um ambiente de tribunal, nem mesmo com a toga. 

Essa dissertação elaborada pelo procurador-geral foi submetida a análise do Tribunal de Recurso, o qual acatou o pedido de anulação. O aceite do pedido ocorreu devido ao princípio da infrimitas sexus, o qual veda que uma mulher exerça a advocacia. 

Após o ocorrido, o debate sobre exercício da advocacia pelo gênero feminino ainda foi assunto que perdurou por bastante tempo na Itália, e por muito tempo a vontade dos que eram contrários prevaleceu. Os argumentos principais eram dois, o primeiro de ordem biológica, no qual se acreditava que devido ao ciclo menstrual, haveria períodos em que a mulher não poderia atender aos seus clientes, pois se encontrava mais fragilizada ou sob influência dos hormônios que se alteram nesse ciclo. 

O segundo era de ordem legal, baseado no Código de Família de 1865, que dizia que as mulheres não poderiam ser admitidas em cargos públicos e nem gozar de autonomia econômica, visto que elas deveriam ser providas por um homem, chefe de família. Além disso, existia uma certa limitação para a mulher se locomover sem autorização do marido ou de um responsável legal, sempre do sexo masculino. Essa limitação era base para o argumento de que os clientes de uma advogada seriam prejudicados pelo fato dela não poder ir a certos lugares para atender melhor os seus clientes. 

Atuações de Lidia Poët no Direito

Porém, todos esses empecilhos não foram capazes de impedir que Lidia Poët continuasse atuando na área do Direito, mesmo sem poder exercer legalmente a profissão. Ela atuou por anos no escritório do seu irmão, Enrico Poët, como sua assistente, colaborando com os casos tratados no escritório. Ainda sim, Lidia não se limitou a apenas esse papel e participou ativamente de diversos movimentos em favor de inovações nos direitos humanos. Em 1908, ocorreu em Roma o primeiro congresso das mulheres italianas, cujos temas principais tratados foram o sufrágio universal (direito de voto para todos), a emigração e a educação. Lidia trabalhou com o tema da assistência moral e jurídica a menores na Itália, sendo crítica dos meios punitivos e apoiadora no investimento maior na educação como forma de profilaxia de infrações por menores de idade. 

Lidia também participou de congresso relacionado ao tema das penitenciárias: o primeiro Congresso Penitenciário Internacional, ocorrido em 1883. Ela defendia a ressocialização dos presos e educação para que eles não voltassem a cometer infrações, e era crítica do sistema puramente punitivo. Dentre as propostas debatidas no congresso, destaca-se a proposição de cursos para formação do preso, de maneira a possibilitar a recuperação da pessoa a partir do trabalho. 

Retomada do registro de Lidia na Ordem

Na Primeira Guerra Mundial, Lidia atuou no front, participando da Cruz Vermelha, de maneira a receber uma medalha ao final do conflito. Logo após a Primeira Grande Guerra, em 1919, é apresentado um projeto de lei para regularizar o direito das mulheres ao trabalho. Essa lei foi apresentada em um contexto no qual se tornou inevitável a atuação da mulher no mercado de trabalho, devido ao tamanho do conflito na guerra que obrigou grande parte dos homens a irem para o campo de batalha. 

Assim, em 17 de julho de 1919, foi aprovada a lei nº 1.176 que permite o direito das mulheres a todos os cargos públicos, excluindo funções relacionadas ao judiciário, à política ou nas forças armadas. Mesmo ainda sendo limitada, tal lei permitiu que ela, aos 65 anos de idade, conseguisse retornar a Ordem dos Advogados de Turim, direito que havia perdido aos 28 anos. Lidia Poët veio a falecer em 25 de fevereiro de 1949 em Diano Marina, aos 94 anos de idade. 

Breve resenha crítica da série da Netflix 

Fonte: glbimg.com

Com estreia no dia 15 de fevereiro de 2023, a série da Netflix “As Leis de Lidia Poët” vem recebendo a atenção do público, visto estar baseada em uma personalidade histórica. Porém, apesar da importância de Lidia no contexto da Itália, ela é uma personalidade pouco conhecida do público geral, o que, de primeira vista, faz com que o seu nome não seja reconhecido ao ler o título da série. O que instiga é a sinopse, que cita o seu principal chamariz como primeira advogada italiana. Na minha visão, o maior mérito da série é justamente trazer o nome de Lidia Poët para a luz, fazendo com que seja conhecida mundialmente e instigando a curiosidade sobre sua personalidade. Apesar disso, não existe tanto material sobre ela na Internet, e os poucos artigos que vão surgindo são recentes, também prováveis resultados do sucesso que a série vem adquirindo. 

Além de reavivar a história de Lidia, não vejo outros grandes méritos na série, já que ela pouco traz sobre a história riquíssima dessa personalidade. Em vez de trazer um enredo baseado na atuação de Lidia em prol de direitos sociais, a série foca na resolução de crimes, colocando Lidia como uma advogada-investigadora que a cada episódio precisa desvendar um assassinato cujo suspeito principal, em geral, é inocente. Um desperdício, na minha opinião. Porém essa estratégia já foi usada em outras ocasiões, como na série Leonardo, a qual discorre sobre os principais acontecimentos de vida de Leonardo Da Vinci, mas se desenrola em torno da suspeita de Leonardo ter assassinado sua grande amiga Caterina (que, por sinal, é interpretada pela mesma atriz que interpreta Lidia Poët, Matilda De Angelis). No caso dessa segunda, ainda sim são trazidos mais acontecimentos reais que ocorreram com Leonardo, o que provavelmente se deve a quantidade de materiais sobre o polímata, que é muito superior à quantidade de materiais disponíveis sobre Lidia. 

Mesmo assim, vejo que as informações sobre a vida de Lidia já gerariam um bom material para uma série mais histórica. Outro ponto que é bastante trazido na série são as dificuldades que Lidia passa por ser uma mulher tentando exercer tarefas que naquela época não era bem visto que mulheres exercessem, e isso se estende até a pequenas coisas como andar de bicicleta. No entanto, esses elementos feministas tampouco são inovadores, dado que até mesmo filmes blockbusters como Enola Holmes já trazem essa problemática para o público geral. Assim, vejo que apesar do mérito de instigar o público a conhecer melhor Lidia Poët, a série pouco traz informações relevantes acerca da história dessa mulher.

Lidia Poët e Inversão Existencial

A inversão existencial, ou invéxis, é a técnica da Conscienciologia que se refere ao planejamento máximo da vida humana, na qual a pessoa desde a juventude procura fazer assistência e otimizar a sua programação de vida, visando realizar tudo o que planejou, antes de nascer. Lidia apresentou algumas características invexológicas, como:

  • Precocidade: antes dos 26 anos de idade, já dominava 4 idiomas, sendo poliglota. 
  • Assistência: tinha como motivação no Direito a questão da assistência às outras pessoas, tanto que mesmo impedida de exercer a profissão, ela atuou nos congressos para trazer temas do paradireito das consciências. 
  • Profilaxia: Lidia nunca casou e nem teve filhos, evitando comprometimentos que a pudessem desviar do seu objetivo maior de vida, que era atuar com o Direito. 
  • Autodidatismo: também investiu no autodidatismo, quando estudou grego e latim por conta própria na adolescência. 
  • Vanguardismo: teve posturas vanguardistas quando ingressou na Ordem dos Advogados de Turim, além das propostas inovadoras em relação ao sistema prisional daquela época. 

Apesar de todos esses elementos não é possível afirmar que Lidia Poët foi uma inversora existencial intuitiva, pois conforme citado antes, existem poucas fontes que detalham mais a sua história, com apenas uma biografia em italiano da autora Cristina Ricci, dificultando uma análise mais detalhada da sua trajetória do ponto de vista da Invexologia. 

Ainda sim, Lidia é uma personalidade interessante para estudar a biografia, sendo um exemplo de perseverança e resiliência para lidar com o que a pessoa entende como sendo a sua área de atuação nesta vida humana. 

E você, o que achou da série As Leis de Lidia Poët da Netflix?

Fontes:
  1. https://www-storicang-it.translate.goog/a/lidia-poet-prima-avvocata-ditalia_16020?_x_tr_sl=it&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=sc, acessado em 20/02/2023 às 20h. 
  2. https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/leis-de-lidia-poet-da-netflix-e-baseada-em-uma-historia-verdadeira.phtml, acessado em 20/02/2023 às 20h. 
  3. Nonato, Alexandre; et al.; Inversão Existencial: Autoconhecimento, Assistência e Evolução desde a Juventude;pref. Waldo Vieira; 304 p.; 70 caps.; 17 E-mails; 62 enus; 16 fotos; 5 microbiografias; 7 tabs.; 17 websites; glos. 155 termos; 376 refs.; 1 apênd.; alf.; 23 x 16 cm; br.; Associação Internacional Editares; Foz do Iguaçu, PR; 2011.